sexta-feira, 8 de agosto de 2014

As cigarras, a formigas e os caloteiros do INSS


Paulo César Régis de Souza 
Dentre os empresários brasileiros, 80% contribuem regularmente e corretamente com o INSS, merecendo respeito e gratidão da sociedade. São os que entregam suas folhas aos setores competentes de contabilidade e auditoria ou mesmo a escritórios privados de contabilidade, confiando que estão contribuindo para a grandeza do país e para a proteção social dos trabalhadores.
No fundo todos merecem uma Medalha Eloy Chaves, o criador da Previdência Social brasileira em 1923, pelo zelo de preservar o maior patrimônio dos trabalhadores e o pacto de gerações idealizado por Otto Von Bismarck (alemão) e Lord Beveridge (inglês).
Mas são esquecidos e colocados na vala comum.
Como o modelo proclama que não há beneficio sem contribuição, Eloy Chaves iniciou as caixas com contribuição do empregador e empregado. Os institutos que se seguiram tinham a mesma lógica. O IAPI - Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários - levou dois anos para pagar benefícios. Nesta época todos contribuíam e os eventuais devedores eram sancionados, inclusive com a dação em pagamento. Daí nasceram as imobiliárias dos institutos, herdadas pelo INPS – Instituto Nacional de Previdência Social - e depois o INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social. Prevalecia a lei de Talião: não pagou, perdia os bens. Escreveu, não leu, o pau comeu.
A partir do INPS, nas décadas de 60 até 90, surgiram inicialmente e timidamente, os parcelamentos de dívidas com juros, mora e correção monetária em prazos curtos para evitar a dação em pagamento.  O grupo dos caloteiros era reduzido e concentrado em setores de terceirização de obras e transportes.
É verdade que o INPS, que arrecadava muito e tinha poucos beneficiários de aposentadorias e pensões - mesmo porque a força de trabalho era jovem - teve que conviver por pressão do Executivo com a destinação do superávit de sua receita de contribuição sobre a folha para financiar a saúde, assistência social, alimentação e moradia popular (o primeiro minha casa minha vida), além de outros empreendimentos de infraestrutura (Volta Redonda, Brasília, Belém-Brasília, Transamazônica, Itaipu, Ponte Rio-Niterói) que hoje compõe a dívida histórica e impagável de mais de 1 trilhão de reais.
Coincidentemente com a o crescimento dos devedores profissionais (os caloteiros) para com o INSS, a fonte deu sinais de esgotamento. Foi secando com a saúde e secou com o calote, que trouxe de cambulhada as renúncias das “filantrópicas” e os benefícios sem contribuição como os rurais e os autônomos.
O país era jovem e a população também, os cofres dos 80% de contribuintes inerciais davam folga ao caixa, mas a população foi envelhecendo e os benefícios tinham que ser pagos. A partir dai outros benefícios sem contribuição surgiram, os recursos foram desbaratados e CPIs foram criadas.   
O compromisso com as gerações foi substituído pelo compromisso com o ralo.
Disso se aproveitaram os caloteiros públicos que inexistiam e surgiram como formigas debaixo da terra, vorazes em não pagar a sua contribuição nem a recolhida dos servidores. Praticavam a apropriação indébita que levou muitos prefeitos para a cadeia. Mas os caloteiros privados, as cigarras, flanando e cantando a uma voz afinada com os políticos, passaram a pedir financiamento, refinanciamento “ad nauseum”, com ampliação de prazo inicialmente em cinco, dez e vinte anos, com dispensa de juros, mora, correção, etc. Foram rolando dívidas, complicando as contas do INSS e chegaram até a revogar o delito da apropriação indébita em conluio com o Legislativo e o Judiciário.
O resultado de tudo isso é o constrangimento em que o Governo coloca os bons pagadores, que não discutem, apenas pagam, honrando as melhores tradições do compromisso social e da ética pública.
Sabemos que o tratamento dispensado aos caloteiros é parte da imundície do financiamento político, mas a nação degradada por este processo tem que reagir e clamar a todos os pulmões que as formigas e as cigarras sejam dizimadas.
Os compromissos da Previdência cresceram.  O bônus demográfico está reduzindo a capacidade de pagamento do INSS e produzindo déficit, agravado principalmente pela baixa qualidade de gestão do financiamento que há anos não é controlada e avaliada por instituições como o TCU - Tribunal de Contas da União. O aumento dos programas de milhagem para os caloteiros em detrimento da cultura de pagamento de 80% dos empresários está no conjunto de todos os desencontros do financiamento: calote (refis), renúncia, desoneração, sonegação, evasão, não fiscalização, não cobrança, não recuperação de crédito, entre outros.
Os caloteiros que conseguiram se livrar da apropriação indébita conseguiram reduzir também de 10 para cincos a decadência da contribuição, o que implicou em perdas de R$ 250 bilhões no caixa do INSS. Conseguiram ainda que o TCU não divulgasse mais a lista dos caloteiros, que deveriam ser execrados pelo mau que fazem a natureza humana.
(*) Paulo César Régis de Souza é Vice-Presidente Executivo da Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social-ANASPS


*Artigo publicado no dia 25 de agosto de 2014, no jornal Estado de São Paulo.

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