Prerrogativa de foro: o
feitiço contra o feiticeiro
Por
Antônio Augusto de Queiroz (*)
O foro por prerrogativa de função pode estar
com os dias contados, porque começa a ficar desinteressante para os deputados e
senadores o julgamento, em instância única, no Supremo Tribunal Federal (STF).
Duas mudanças legais estão provocando a desilusão de certos parlamentares com o
chamado “foro privilegiado”.
A
primeira mudança, instituída pela Emenda Constitucional 35, que alterou os
parágrafos 3º e 4º do art. 53 da Constituição, acabou com a necessidade de
autorização prévia da casa legislativa para abertura de processo contra
deputado ou senador junto ao Supremo.
Segundo
a nova regra constitucional, recebida a denúncia contra deputado ou senador,
por crime corrido após a diplomação, o STF dará ciência à Casa respectiva, que,
por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria
absoluta de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da
ação. Isso inverte a regra anterior, que condicionava a abertura do processo à
autorização da Casa legislativa.
Se
antes a impunidade era evidente, com a abertura automática do processo, o risco
de punição aumentou muito, especialmente após as mudanças na composição do
tribunal, a partir da posse do presidente Lula, que nomeou juristas
independentes.
Desde
2001, quando entrou em vigor a mudança constitucional, já houve vários
julgamentos que resultaram em prisão ou perda de mandato, além da renúncia de
parlamentares ou a desistência de alguns de disputar a reeleição para
fugir do julgamento do STF.
A
celeridade no julgamento é fundamental e ajuda no combate à impunidade, mas os
critérios para julgamento têm que ser isonômicos e não seletivos, como ocorreu
recentemente com a Ação Penal 470.
A
segunda mudança, que poderá acelerar o julgamento dos processos, foi a
alteração do regimento interno do STF, que transferiu do plenário, cujos
julgamentos eram feitos com transmissão ao vivo pela televisão, para uma das
duas turmas do tribunal o julgamento de parlamentares e outras autoridades,
inclusive como forma de desafogar o plenário.
O
ideal, entretanto, seria a extinção do foro privilegiado, mas sem o retorno dos
processos para a Justiça estadual de uma das unidades da federação, com duplo
grau de jurisdição, como ocorre atualmente com os casos não julgados pelo STF
após o término do mandato do parlamentar. Esse sistema, além de não uniformizar
os critérios de julgamentos, poderia tornar a autoridade pública sujeita a
má-fé ou oportunismo político.
O ministro
Luiz Roberto Barroso, que propôs a mudança no regimento interno do STF, tem uma
proposta que parece interessante para o fim do foro por prerrogativa de função.
Conforme sua proposta, deve ser criada uma vara federal de primeiro grau, com
juiz titular escolhido pelo STF, com mandato de quatro anos e apoiado por
tantos juízes auxiliares quantos forem necessários, para cuidar desses
julgamentos. Das decisões dessa vara especializada caberiam recursos ordinários
diretamente para o STF ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme a
autoridade.
Essa
solução, que depende de alteração constitucional, teria a vantagem de poupar o
STF do papel de investigar ou produzir provas e analisar questões de fato,
acelerando uma decisão sobre o processo, além de retirar o julgamento da área
de influência do interessado.
Mas
não é essa a motivação dos parlamentares para a extinção do foro privilegiado.
Eles querem garantir a impunidade, com a prescrição dos crimes pelos reiterados
recursos protelatórios nas diversas instâncias judiciais.
Por
fim, não se deve confundir o foro privilegiado com o direito do parlamentar de
não ser preso salvo em flagrante ou de crime inafiançável. Nem com a imunidade
parlamentar, que consiste na garantia de inviolabilidade, civil e penal, do
deputado e senador por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato.
(*) Jornalista, analista
político e diretor de documentação do Diap.
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