As cigarras, a formigas e os caloteiros do INSS
Paulo César Régis de Souza |
Dentre os empresários brasileiros, 80% contribuem regularmente e corretamente com o INSS, merecendo
respeito e gratidão da sociedade. São os que entregam suas folhas aos setores
competentes de contabilidade e auditoria ou mesmo a escritórios privados de
contabilidade, confiando que estão contribuindo para a grandeza do país e para a
proteção social dos trabalhadores.
No fundo todos merecem uma
Medalha Eloy Chaves, o criador da Previdência Social brasileira em 1923, pelo
zelo de preservar o maior patrimônio dos trabalhadores e o pacto de gerações
idealizado por Otto Von Bismarck (alemão) e Lord Beveridge (inglês).
Mas são esquecidos e
colocados na vala comum.
Como o modelo proclama que
não há beneficio sem contribuição, Eloy Chaves iniciou as caixas com
contribuição do empregador e empregado. Os institutos que se seguiram tinham a
mesma lógica. O IAPI - Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários
- levou dois anos para pagar benefícios. Nesta época todos contribuíam e os
eventuais devedores eram sancionados, inclusive com a dação em pagamento. Daí
nasceram as imobiliárias dos institutos, herdadas pelo INPS – Instituto
Nacional de Previdência Social - e depois o INSS – Instituto Nacional de
Seguridade Social. Prevalecia a lei de Talião: não pagou, perdia os bens.
Escreveu, não leu, o pau comeu.
A partir do INPS, nas
décadas de 60 até 90, surgiram inicialmente e timidamente, os parcelamentos de
dívidas com juros, mora e correção monetária em prazos curtos para evitar a
dação em pagamento. O grupo dos
caloteiros era reduzido e concentrado em setores de terceirização de obras e
transportes.
É verdade que o INPS, que
arrecadava muito e tinha poucos beneficiários de aposentadorias e pensões - mesmo
porque a força de trabalho era jovem - teve que conviver por pressão do
Executivo com a destinação do superávit de sua receita de contribuição sobre a
folha para financiar a saúde, assistência social, alimentação e moradia popular
(o primeiro minha casa minha vida), além de outros empreendimentos de
infraestrutura (Volta Redonda, Brasília, Belém-Brasília, Transamazônica, Itaipu,
Ponte Rio-Niterói) que hoje compõe a dívida histórica e impagável de mais de 1
trilhão de reais.
Coincidentemente com a o
crescimento dos devedores profissionais (os caloteiros) para com o INSS, a fonte
deu sinais de esgotamento. Foi secando com a saúde e secou com o calote, que
trouxe de cambulhada as renúncias das “filantrópicas” e os benefícios sem
contribuição como os rurais e os autônomos.
O país era jovem e a população
também, os cofres dos 80% de contribuintes inerciais davam folga ao caixa, mas
a população foi envelhecendo e os benefícios tinham que ser pagos. A partir dai
outros benefícios sem contribuição surgiram, os recursos foram desbaratados e
CPIs foram criadas.
O compromisso com as
gerações foi substituído pelo compromisso com o ralo.
Disso se aproveitaram os
caloteiros públicos que inexistiam e surgiram como formigas debaixo da terra,
vorazes em não pagar a sua contribuição nem a recolhida dos servidores.
Praticavam a apropriação indébita que levou muitos prefeitos para a cadeia. Mas
os caloteiros privados, as cigarras, flanando e cantando a uma voz afinada com
os políticos, passaram a pedir financiamento, refinanciamento “ad nauseum”, com
ampliação de prazo inicialmente em cinco, dez e vinte anos, com dispensa de
juros, mora, correção, etc. Foram rolando dívidas, complicando as contas do
INSS e chegaram até a revogar o delito da apropriação indébita em conluio com o
Legislativo e o Judiciário.
O resultado de tudo isso é
o constrangimento em que o Governo coloca os bons pagadores, que não discutem, apenas
pagam, honrando as melhores tradições do compromisso social e da ética pública.
Sabemos que o tratamento
dispensado aos caloteiros é parte da imundície do financiamento político, mas a
nação degradada por este processo tem que reagir e clamar a todos os pulmões
que as formigas e as cigarras sejam dizimadas.
Os compromissos da Previdência
cresceram. O bônus demográfico está reduzindo
a capacidade de pagamento do INSS e produzindo déficit, agravado principalmente
pela baixa qualidade de gestão do financiamento que há anos não é controlada e
avaliada por instituições como o TCU - Tribunal de Contas da União. O aumento
dos programas de milhagem para os caloteiros em detrimento da cultura de pagamento
de 80% dos empresários está no conjunto de todos os desencontros do
financiamento: calote (refis), renúncia, desoneração, sonegação, evasão, não
fiscalização, não cobrança, não recuperação de crédito, entre outros.
Os caloteiros que conseguiram
se livrar da apropriação indébita conseguiram reduzir também de 10 para cincos
a decadência da contribuição, o que implicou em perdas de R$ 250 bilhões no
caixa do INSS. Conseguiram ainda que o TCU não divulgasse mais a lista dos caloteiros,
que deveriam ser execrados pelo mau que fazem a natureza humana.
(*) Paulo César Régis de
Souza é Vice-Presidente Executivo da Associação Nacional dos Servidores da
Previdência e da Seguridade Social-ANASPS
*Artigo publicado no dia 25 de agosto de 2014, no jornal Estado de São Paulo.
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