Uma comissão da verdade para a previdência
Por Paulo César Régis de Souza (*) |
Nestes tempos de comissão da verdade (para se descobrir malfeitos
do passado e se passar a limpo os erros cometidos), o governo, o Congresso, o
Tribunal de Contas da União (TCU), a Consultoria Geral da União (CGU) ou mesmo
alguma entidade privada, com credibilidade, poderia instituir uma Comissão da
Verdade para a Previdência Social pública do país sem, ao menos, precisar descer aos
montepios e caixas. Começando a partir dos institutos, fusão destes com
criação do INPS e depois do INSS. Teríamos, assim, um marco de referência.
A Comissão teria que investigar duas grandes linhas: o
regime de repartição simples, em que os trabalhadores de hoje financiam os
trabalhadores de ontem, a matriz de financiamento do cálculo atuarial dos
benefícios, os usos indevidos e os desvios praticados, parcelamentos e
reparcelamentos, renúncias, criação do Funrural, instituição de benefícios
subsidiados e mais recentemente a desoneração.
No tempo dos institutos, a previdência tinha mais entradas
(contribuintes) do que saídas (aposentadorias e pensões). Muito embora o regime não fosse de
capitalização, dever-se-ia preservar o que foi arrecadado. Provisionar para o futuro, mas não se aplicou
nada. O excesso de arrecadação, a liquidez, foi “espalhado” em conjuntos
habitacionais, hospitais, postos de assistência médica, ambulâncias do SAMDU,
alimentação do trabalhador, assistência social. Supõe-se que houve muita
corrupção, etc. Muitos bilhões foram desviados para a implantação da Companhia
Siderúrgica Nacional, construção de Brasília, Belém- Brasília, Transamazônica,
Ponte Rio Niterói e Itaipu.
Acredito que não caberia à CVP punir pessoas, muitas delas
já mortas. Mas quantificar os recursos desviados e fixar um prazo de 20/50 anos
para que o Estado devolva aos trabalhadores o que lhes foi retirado. Reconhecer,
saldar ou zerar a “divida histórica”, seria uma satisfação que se daria a
várias gerações de segurados, contribuintes e beneficiários, que foram
logrados, tungados, roubados!
Mais de 20 Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIS)
levantaram a malversação destes gastos. Mas nada se fez. Nenhuma das centenas
de recomendações foi acatada. Mais de
100 relatórios de contas do TCU foram expedidos, clamando por regularização desses
malfeitos. Poucos ou nenhum foram considerados.
A CVP buscaria e identificaria valores que serão atualizados
monetariamente. Não há dados precisos, mas a contabilidade pública tem os
números.
Teríamos, na linguagem do TCU, achados de bilhões.
Entendo que ação
perdulária do passado, mau uso das contribuições previdenciárias, guarda
conexão, por exemplo, com a do presente em que renúncias, desonerações e
benefícios subsidiados comprometem o equilíbrio do Regime Geral de Previdência
Social-RGPS, muito mais do que o fim do fator previdenciário e a implantação da
desaposentação.
Em 1971, quando foi criado o FUNRURAL, ninguém ousou arguir
ou interpelar, porque os trabalhadores urbanos iriam pagar a conta dos
benefícios rurais. Violou-se desavergonhadamente um principio pétreo de Previdência,
que não deve existir benefício sem contribuição. Na marra implantaram o
FUNRURAL. Falou-se em solidariedade
humana, universalização, correção de iniquidades, justiça social, etc. Mas os
recursos eram da Previdência urbana. Este achado tem alguns bilhões e os dados
são visíveis aos olhos.
Desde então, não há recursos para melhorar os benefícios de
quem contribui – os trabalhadores urbanos. O teto dos 10 salários desabou.
Hoje, não chega a dois.
Criou-se o mito de que a Previdência é instrumento de assistencialismo,
socialismo, igualitarismo, paternalismo.
Criou-se o saque organizado em cima do caixa da Previdência
e em nome de uma tal filantropia, batizada de “pilantropia”, através de renúncias
da contribuição patronal. Seus
empregados passaram a ser financiados nas aposentadorias, por suas
contribuições e as dos outros cidadãos. Outro achado que já custou uns R$ 500
bilhões, se corrigidos.
Criou-se a Assistência aos Idosos, e nela a Renda Mensal
Vitalícia, e a Assistência aos Deficientes e aos Excepcionais, que foi paga até
1994 com recursos da Previdência Social urbana. Outro achado de bilhões.
Criou-se um grande arsenal de favores espetados no lombo dos
contribuintes urbanos em benefício dos contribuintes individuais, empregados
domésticos, autônomos, segurados especiais, donas de casa rurais em nome da
formalização e de pagamentos de benefícios previdenciários, sem contribuição
adequada para cobrir a despesa.
Mais recentemente também em nome da formalização e da inclusão
previdenciária, criou-se o Simples, depois Supersimples, como também o MEI, (microempreendedor
individual), com renúncias da contribuição patronal.
Por último, criou a desoneração da contribuição
previdenciária, rompendo um pacto de 93 anos, pacto universal, mexendo com a
estrutura do RGPS, uma violência de alto risco e de prejuízos para a base do
seguro social. Outro achado de bilhões.
Muita criatividade que merece dimensionamento e correção
para salvar o RGPS. Já que os benefícios dos que não contribuem são pagos pelos
que contribuem, cujos sonhos foram transformados em pesadelos e as esperanças
em desventuras.
(*) Paulo César Régis de Souza é Vice-Presidente da
Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social.
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