A função redistributiva e inclusiva da Previdência
Social
Por Paulo César Régis de Souza (*) |
No relatório do Tribunal de Contas da União sobre as contas do governo
federal de 2012, há uma análise circunstanciada da Previdência Social.
Analisa-se sua função nos programas de inclusão social.
"A destinação dos benefícios
previdenciários é plenamente especificada em leis, as quais estabelecem os
direitos dos segurados e detalham as regras para concessão de benefícios".
Concordamos.
"Do ponto de vista do
financiamento, regimes previdenciários também diferem de outros programas de
governo na medida em que possuem, tipicamente, fontes exclusivas de receitas.
No caso do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), por exemplo, a
Constituição de 1988 veda a utilização dos recursos provenientes das contribuições
sociais de empregadores e trabalhadores para realização de despesas distintas
do pagamento de benefícios previdenciários (artigo 167, inciso XI)".
Concordamos.
"Dessa forma, na execução do
programa de Previdência Social, não cabe ao governo selecionar os grupos
a serem beneficiados pelo programa, nem decidir a respeito da destinação de
suas principais receitas". Concordamos.
A discussão sobre o papel
"inclusivo" da Previdência Social é que toma direções que
sempre se coadunam com as variáveis mencionadas de financiamento e benefícios,
vinculados, como causa e efeito. Sou mais claro, enquanto o RGPS, presente
nos mais distantes rincões do país, transfere renda mais do que o Fundo de
Participação dos Estados e Municípios (IR+IPI) e das transferências
compulsórias dos estados (ICMS) faz com que muitas cidades sobrevivam com os
pagamentos de benefícios "previdenciários", em tese, já que os
benefícios "previdenciários" rurais nada têm de previdenciários, tudo
bem. E por que não tem nada de previdenciários? Resposta: não há relação
atuarial entre o benefício e a contribuição.
O TCU usa o eufemismo de previdência
rural, mesmo sabendo que ela inexiste para ressaltar seus "possíveis
efeitos inclusivos" admitindo, no mesmo contexto, "que o subsistema
de benefícios rurais não se mostra sustentável como regime
previdenciário". Diria que os efeitos são mais "redistributivos"
do que propriamente inclusivos. Vai mais longe e subscreve o que tenho
assinalado nos últimos 10 anos: "A falta de sustentabilidade decorre da
ausência de previsão de fontes suficientes para custeio, pois o subsistema não
exige comprovação de contribuição dos segurados para a concessão de
benefícios".
O TCU mostra a renda domiciliar per
capita média com e sem benefícios previdenciários. "Para a população
urbana, as rendas médias com e sem benefícios foram iguais a R$ 1.063,56 e R$
848,12, respectivamente, enquanto que, para a população rural, as rendas médias
foram iguais a R$ 623,89 e R$ 358,91, para domicílios com e sem benefícios
respectivamente". Detalha a amostra por regiões e assinala que
o maior aumento de renda ocorreu para a população rural na Região Nordeste
(110%). O menor aumento foi observado para a população urbana da Região Sul
(16%).
Os dados são cruéis, de certa forma,
para a população urbana contribuinte da Previdência Social e que
financia, desde a implantação do Funrural, em 1971, cerca de 94% do
financiamento dos benefícios rurais que custaram , em 2012, R$ 62,4 bilhões.
Esta população contribuinte, sem que saiba ou tenha consciência, é que
impulsiona a função redistributiva e inclusiva da Previdência Social.
Pois, de outra parte, os benefícios urbanos acima do salário mínimo vêm sendo
progressivamente achatados desde a criação do fator previdenciário, em 1994, e
seus reajustes anuais vêm sendo abaixo do beneficio de salário mínimo, que tem
tido ganhos reais.
Por hipótese, se a previdência urbana
não financiasse a rural, os urbanos estariam em melhor situação de renda. Não
imagino que o quadro se alteraria no interior do país, mantendo-se o que chama
de função redistributiva e inclusiva. Também não imagino que os 8 milhões de
beneficiários rurais estariam largados ou mais pobres, porque a
União já os teria enquadrado no bolsão rural, com os generosos recursos da
Cofins e da CSLL, não se alterando os valores de seus
benefícios, 99% de salário mínimo, como os 3 milhões de benefícios
assistenciais.
Tenho por entendimento que o TCU deve
acompanhar de perto "o pacto de gerações", que é um dos pilares da Previdência
Social e deve zelar para que, em nome da inclusão previdenciária, não
continuem sendo cometidos os desatinos de se instituir benefícios sem
financiamento, com financiamentos pela metade ou subsidiados, desviando a Previdência
Social do seu eixo para patrocinar funções inclusivas, que não lhe dizem
respeito.
A Previdência tem o compromisso ético
de impedir que isto aconteça, pois, daqui a 30/40 anos, a conta será
apresentada à sociedade. A conta do Funrural, 40 anos depois, está sendo
apresentada agora, e a sociedade urbana está pagando.
(*) Paulo César Regis de
Souza é vice-presidente executivo da Associação Nacional dos Servidores
da Previdência e da Seguridade Social (Anasps)