quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

      O governo está usando e abusando da receita previdenciária.
Por Paulo César Régis de Souza (*)

No orçamento fiscal, a receita previdenciária própria, administrada pela Receita Federal do Brasil, com folha e desoneração, representa 25%, o que acentua sua importância.
Mas desde Lula que o governo vem metendo a mão na receita previdenciária. Pode negar que ninguém acredita.
O primeiro grande passo foi a banalização do REFIS, devemos estar no 11º ou 12º,  beneficiando os devedores de todos os tipos e tamanhos, inclusive os clubes de futebol santas casas, confederações, federações, estados, municípios, autarquias, fundações, faculdades e colégios, enfim a elite dos caloteiros do Brasil. Todos os anos eleitorais têm Refis. O prazo de pagamento das dividas públicas e privadas foi unificado em 20 anos “para rolar, rolar, enrolar e não pagar”. Como inexiste Receita Previdenciária, a Previdência Social não é consultada e seus recursos são assenhoreados pelas instituições de mais baixa credibilidade na República. O que é desrespeitoso para com 98% das empresas brasileiras que pagam em dia suas contribuições previdenciárias.
Não sei se a União está neste grupo, como estão estados e municípios e instituições públicas, mas a União nunca pagou sua contribuição previdenciária, de empregador, e, tradicionalmente descontava e não recolhia a contribuição dos servidores, adotando o que se considerava no século passado “apropriação indébita”. Para que se tenha uma ideia, a RFB revela que a arrecadação do PSS, Plano de Seguridade do Servidor, foi de apenas R$ 15.3 bilhões em jan-ago. de 2013 contra R$ 15.1 bilhões em jan - ago. de 2012 (sic).
Aguarde um Refis, declare que vai pagar, pague uma prestação, não pague as demais. Aguarde novo Refis. É assim que a banda toca.
O segundo grande passo foi à banalização das renúncias previdenciárias. Dados do DatANASPS, que é nosso centro de dados previdenciários, indicam que eram de apenas R$ 12, 7 bilhões em 2005, em 2008, R$ 14,7 bilhões, em 2010, R$ 18,4 bilhões, em 2012, R$ 20,3 bilhões e  em 2014, chegarão à R$ 34,3 bilhões, compreendendo as efetivas pelo Simples,  entidades filantrópicas, Exportação da Produção Rural, Tecnologia da Informação e Comunicação, Copa do Mundo, Microempreendedor Individual, Industrias Têxteis,  de Confecções, Artefatos de Couro e Calçados. Em 10 anos triplicaram. Até hoje, na literatura jurídica e nas regras contábeis, não houve acerto de contas do Tesouro para com a Previdência Social. Há um passivo em aberto que gera déficit, de alto agrado aos que estão inviabilizando a Previdência Social, transformando-a em programa de assistência social, em nome da inclusão.
O terceiro grande passo foi à extinção da Receita Previdenciária. Desde então, não se tomou conhecimento da lista dos devedores da Previdência Social, as autoridades previdenciárias não foram mais ao Ministério Público ou aos Tribunais Federais pedir a cobrança de dívidas; não há noticias de ações contra os sonegadores, os que praticam a apropriação indébita, a fiscalização de devedores.  Historicamente, estimada em 30%, a sonegação teria sido de R$ 32,4 bilhões em 2005, R$ 47,1 bilhões em 2008, R$ 73.9 bilhões em 2011, e certamente mais de R$ 100 bilhões em 2014. Ao final de 10 anos, teremos quase R$ 500 bilhões de sonegação, evasão, elisão, brechas legais, etc. De forma consentida, como é consentida, insólita e incompetente a recuperação de créditos previdenciários; a gestão é perigosa e de alto risco. A cobrança da divida administrativa é ridícula e a cobrança da dívida ativa é inexpressiva, não chegando a 2% da dívida.
O quarto grande passo foi à utilização da contribuição sobre a folha em um processo de desoneração contributiva que frauda a essência do Regime Previdenciário, assentado na contribuição do empregador (20%), do trabalhador (8,9 e 11%) e Acidente do Trabalho RAT (1 a 3%), que produz uma matriz atuarial para definição do valor da contribuição e do benefício. Um ex-ministro do Trabalho e professor da PUC-RJ, já demonstrou isso em palestra e artigo. Na teoria, há um modelo de financiamento. Na prática, há outro.  A desoneração previdenciária não é uma política de previdência pública, mas um instrumento de politica fiscal para gerar benefício às empresas, em momento de crise de emprego e renda. Na realidade, o patronato brasileiro sonhou com a abolição da contribuição do empregador, como ocorreu no Chile, mas o Tesouro rejeitou a proposta na falta de outro mecanismo de financiamento do RGPS, cada vez mais fatiado pelos sucessivos refis, renúncias, sonegação, desoneração etc.
O quinto e último passo foi, (na realidade, é) a transferência maciça de recursos da Seguridade Social, especialmente da COFINS/ PSSS, COFINS/LOAS, COFINS/EPU, Record COFINS e  da CSLL   para cobrir  as despesas com benefícios  previdenciários, assistenciais e Encargos Previdenciários da União, já que a arrecadação,  indevidamente subtraída, não cobre a despesa com o pagamento de benefícios do  RGPS, principalmente pelo descasamento da contribuição dos rurais e pelo acervo de inadequações contributivas mencionadas (refis, renúncias, sonegação , desoneração). O nosso DatANASPS registra que  entre 2003 e 2012, as transferências bateram , a preços nominais, R$ 647,6 bilhões.  No período de 2004 a 2012, considerando o conceito de arrecadação liquida sobre a folha e a despesa com benefícios do RGPS, o déficit chegou a R$ 350,8 bilhões.
Quer queiram ou não, antes de se mexer no fator previdenciário, fixação de idade mínima e na desaposentação, a sociedade organizada tem que rediscutir o financiamento da Previdência Social, antes que se oficialize a aposentadoria e a pensão de um salário mínimo.


(*) Paulo César Regis de Souza é Vice-Presidente Executivo da Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social-ANASPS.